sábado, 21 de maio de 2016

A MINHA RELAÇÃO COM AS COISAS



Eu posso dizer que tive uma infância tranquila. Morava em uma cidade pequena, Paranaguá, tinha amigos, primos, espaço para brincar, árvores para subir e brinquedos com moderação. Não éramos ricos, porém tínhamos o que precisávamos para viver. Com muito empenho e trabalho dos meus pais eu e meus dois irmãos podíamos frequentar um escola particular, aliás o estudo era algo a que meu pai sempre prezava. Não ganhávamos as melhores roupas e brinquedos, como os colegas, mas nosso futuro estaria garantido se nos dedicássemos aos estudos. Na adolescência, eu comecei a estudar inglês, o que foi um incentivo para a escolha de uma profissão.
Terminei o Ensino Médio e iniciei a faculdade de Letras na Fafipar, hoje incorporada à UNESPAR. Nessa época comecei a dar aulas particulares e, logo depois, passei a dar aulas de inglês na escola em que fiz o curso. O salário pequeno que ganhava era uma grande vitória. Para uma adolescente de 17 anos, poder comprar roupas, sapatos e outros itens dava a sensação de liberdade nunca sentida anteriormente. Como disse, nunca passei necessidade, tinha o suficiente para viver tranquilamente.
E quanto mais ganhava, mais adquiria produtos que, para mim, pertenciam a um novo mundo. Acreditava que tinha que ter muitos itens para ser feliz. Era uma adolescente sonhadora, escrevia diários e comprava discos e revistas.
Dois anos depois de terminar a faculdade, mudei-me para Curitiba, indo morar no apartamento que meus pais compraram para ficar quando iam à Capital. Consegui um trabalho em uma escola de inglês, ganhando um pouco mais, aí é que me vislumbrei ainda mais com as novidades dos shopping centers, lojas, uma nova realidade para mim. Nunca me endividei, no entanto, não guardava quase nada do que ganhava.
Seis meses depois, aos 23 anos, casei com o namorado que namorava desde os 15 em Paranaguá. Ele já tinha vindo para Curitiba anteriormente e morava em um apartamento que seus pais tinham comprado. Era pequeno, longe do centro, mas para nós era o ideal para começarmos a vida.
A partir daquele momento eu estava casada, então não poderia pensar em gastar apenas comigo. Diminuí as compras, porém sempre arranjava um meio de trazer uma novidade para casa. O apartamento era pequeno, 30 metros quadrados, assim, não dava para exagerar.
Depois de 5 anos morando ali, com muito esforço, meu e do meu marido, conseguimos comprar o apartamento em que moramos desde 2003. Apesar de ser um prédio antigo, é maior e bem localizado, o que é conveniente, pois não dirijo e uso o transporte coletivo para o trabalho. Com mais espaço, não demorou para eu passar de um guarda-roupas de 4 portas para um de 6, mais cômoda.
Eu continuava com o meu vislumbre pelas coisas materiais, roupas, sapatos, acessórios, CDs, livros, enfim, já não tinha muito espaço para abrigar tudo o que tinha. Nada exorbitante, no entanto, dava para ver que eu possuía muito mais do que realmente precisava. Fazia doações de roupas e outras coisas periodicamente, mas comprava na mesma proporção.
Há alguns anos descobri a paixão por viajar, sendo assim, passei a ver a vida com outros olhos. Sabia que precisaria guardar dinheiro para conseguir meus objetivos, desse modo, comecei a economizar mais do que já o fazia. Afinal, mesmo comprando, tinha o hábito de guardar todo mês uma quantia na poupança, com o pensamento no futuro. Foi assim que conseguimos comprar o apartamento.
No entanto, se eu quisesse viajar mais, teria que parar de comprar coisas e investir o dinheiro de maneira consciente. E nas viagens economizava para poder viajar outra vez. Levava uma bagagem cada vez menos pesada, isso aprendi com o tempo e com a dor nas costas. Na primeira viagem que fiz, contei os dias e levei uma roupa íntima para cada dia. Hoje levo no máximo 4, pois lavo e seco no quarto. Souvenirs somente algumas coisas para colocar na cristaleira e muitas fotos. Nisso eu realmente não economizo.
Há alguns anos, venho diminuindo significativamente as compras. Para casa, tenho somente o necessário, que ainda é bastante, pois ganho muita coisa. Sempre que posso, faço uma limpa e doo para entidades ou parentes que se interessem. Como tenho gatas, não tenho muitos bibelôs espalhados pela casa, senão seria muito trabalho catar peças quebradas o tempo todo. Não há obstáculos para elas. Na cozinha, tenho somente o que está no uso, nada de jogos de jantar, talheres, toalhas e outros itens guardados. Roupa de cama e banho são 2 ou três jogos se revezando.
Livros são um problema à parte. Como sou professora, tenho tendência a acumulá-los, mas ando me superando ultimamente. Guardo os técnicos, relacionados à profissão, como dicionários, manuais e livros que uso para preparar as aulas. Tenho muito pdf, então diminuí consideravelmente os volumes da minha estante. Aliás 2016 tem sido o ano do desapego. Doei uma infinidade de livros para os alunos, que ficaram imensamente felizes.
Desapeguei de muitas coisas em geral e posso dizer que me sinto uma pessoa muito melhor. Há mais espaço circulando no meu apartamento e na minha mente, por consequência disso tudo. Tenho lido muita coisa a respeito de um novo estilo de vida minimalista de algumas pessoas. Estou longe da perfeição, porém já vejo a diferença disso em tudo. Quando acumulamos coisas, estamos acumulando sentimentos e ao nos desfazermos das coisas, estamos jogando fora tudo o que estava atravancando a nossa vida. Fora a questão ambiental, lixo, desperdício, consumismo desenfreado etc. Não precisamos de muito para viver.
Passamos a dar valor aos momentos e às pessoas. Com menos objetos para limpar e arrumar, sobra tempo para lermos um livro, assistirmos a um filme, sairmos com amigos, visitarmos familiares. Com menos coisas materiais, corremos menos riscos de sermos roubados ou ter prejuízo com o conserto de algum item.
Com um apartamento pequeno, tudo o que possuo está em meu campo de visão, o que me proporciona liberdade para fazer o que gosto, nem que seja ficar uma tarde inteira no final de semana assistindo às minhas séries favoritas. Se eu tivesse uma casa grande ou um apartamento na praia, certamente estaria preocupada com a manutenção. Não quero criticar as pessoas que preferem os bens materiais, longe disso. Cada um sabe o que é melhor para si e para sua família. Só quero dizer que escolhi esse estilo de vida porque é assim que eu me sinto bem, que fico em paz. Não tive filhos, isso é para outra história, então minhas prioridades são outras.
Creio que muito disso do que vivo é consequência do que tenho visto meus pais passando até hoje. Agradeço o que sou a eles, mas vi meu pai se sacrificando a vida toda pela família e sem viver realmente, sempre se precavendo. Ele trabalhava dia e noite e quase não tinha tempo para os filhos. Final de semana era corrigir provas, arrumar a casa, fazer compras etc. A desculpa que se dá é que se não tivessem se dedicado tanto, não teriam condições de bancar o tratamento de saúde que precisam hoje. A minha pergunta é: será que se tivessem trabalhado menos, estariam doentes hoje e precisariam gastar tanto com remédios e afins? Não há como saber.
Eu decidi que iria me dedicar ao trabalho e fazer jus ao legado que eles me deixaram, porém aprenderia a viver. Juntando tudo o que eu tenho gastado com viagens todos esses anos, eu poderia estar em um apartamento maior, ou mesmo comprado um outro para alugar. Será que eu estaria tão realizada com mais bens materiais? Para isso eu tenho a resposta imediata: certamente não.
Assim, eu tenho mudado a minha relação com as coisas ao longo de todos esses anos. Tenho comprado cada vez menos, vivido cada vez mais, aproveitando tudo o que posso e com a certeza de que levarei dessa vida apenas o que eu vivo e como (esse último aprendi com a minha saudosa sogra que partiu precocemente).

3 comentários:

Sônia Rocha disse...

Nossa Cristiane como me identifiquei. Já algum tempo estou num processo de desapego valorizando o essencial como família, amigos e viagens. Os bens materiais são prazeres efêmeros. Claro não devemos viver na mendicância, mas com o essencial aqui em casa também é assim um apartamento 38m quadrados, tudo sob minha visão e tenho todo conforto que me é necessário. Excelente texto.

Cristiane D Magnani disse...

Verdade Sõnia. Não precisamos de muito para viver. Quanto mais temos, menos vivemos. Obrigada pelo comentário. Beijão!

Cristiane D Magnani disse...

Verdade Sõnia. Não precisamos de muito para viver. Quanto mais temos, menos vivemos. Obrigada pelo comentário. Beijão!

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